Introdução

Pouco mais de um ano atrás, eu deixei fisicamente o Brasil.

Minha saída física do Brasil foi apenas mais um dos passos que decidi tomar em direção a autonomia.

Aquele momento ainda é muito vivido na minha cabeça: ir ao aeroporto em Recife, despedir-se da minha mãe e do meu pai. Sem passagem de volta, e a única nacionalidade que possuo sendo a Brasileira, embarquei rumo a São Paulo, e em seguida rumo a Madri. Sem intenção de voltar.

Ao contrário do que parece, eu não estava "imigrando" para nenhum lugar específico. Não estava indo "tentar a sorte" no primeiro mundo. Eu estava apenas emigrando do Brasil.

Se meu plano desse qualquer resultado, meus futuros retornos ao Brasil seriam sempre em caráter temporário, para visitar família e amigos e conhecer mais lugares dentro do meu próprio país.

Na verdade, essa história começa de verdade quatro anos antes do momento descrito, com as ideias apresentadas neste post se formando pouco a pouco. Eu estava convencido que era loucura confiar boa parte da minha sorte nos mesmos burocratas.

Essa simples realização, que não veio de uma vez e foi agravada pelo derretimento do Real, um cisne negro, teve peso profundo nas decisões que tomei.

Esta realização também foi o que me levou a mudar minha fonte de renda para Dólares Americanos, não deixar mais nem um centavo em Real Brasileiro, fazer o possível para investir contra o "zeitgeist" corrente dos analistas financeiros de sofá, e em última análise, a sair fisicamente do país, sem intenção de colocar todos os meus ovos (leia-se: dependência financeira, fiscal e física) no mesmo lugar, nunca mais.

Até hoje, uma boa parte da minha energia mental é focada "nerdar" sobre as melhores jurisdições para se ter residência fiscal, contas em banco (ou cloud), fontes de renda, posses, investimentos e reservas de valor.

Este artigo não tem a intenção explícita de te convencer a sair fisicamente do Brasil, coisa que por diversos motivos é inviável para muitos, mas sim de mostrar o tamanho da bolha que nosso país é, os riscos que você não pode ver, e porquê você deveria se importar com tudo isso.

Ah, e por favor, ao ler a palavra "Brasil" aqui, não leve para o lado pessoal. Acredite se quiser, este artigo não foi escrito por uma pessoa com a chamada "síndrome do vira-lata". O uso do contexto Brasileiro aqui é meramente fruto de ser onde nasci e cresci, mas qualquer análise feita poderia ser igualmente válida para Argentina, Venezuela, Indonésia, África do Sul, Líbano, Turquia, até mesmo os Estados Unidos, entre outros.

Caudas gordas e cisnes negros

Essa seção é uma tentativa breve de fazer um resumo dos conceitos encontrados na coleção Incerto do Nassim Nicholas Taleb, necessários para explicar a ideia central desse texto. Veja o final deste artigo para recomendações de livros.

Ao se pensar em investimentos, talvez a primeira coisa que venha em nossa cabeça seja risco. "Qual seu perfil de risco?", perguntaria um consultor financeiro disposto a te aconselhar em onde por seu dinheiro, provavelmente te indicando "tesouro direto" se você quer "baixo risco" e ações se você quer "alto risco."

Quando pensamos em risco, geralmente pensamos somente em coisas que conseguimos ver: você contrata seguro para seu veículo pois há o risco de se envolver um acidente de trânsito ou de ter seu carro furtado. Você paga um plano de saúde pois há o risco de um dia você precisar de um tratamento caro ou de um procedimento de emergência, e não quer depender do sistema público. Você diversifica seu portfólio de investimentos para que caso um dos elementos que o compõem perca valor, você não sofra tanto.

Tudo isso pode ser destilado em frases comuns no cotidiano: "seguro morreu de velho" ou "não ponha todos os seus ovos na mesma cesta". Somos ensinados que devemos balancear risco e retorno em tudo que fazemos na vida.

Ao que parece, nenhum desses insights se traduz para outro tipo de risco: aquele que não podemos ver. Ou, risco de cauda.

Nós não confiamos no mercado de ações o suficiente para colocar todo nosso dinheiro nele, mas ainda sim, sem saber, confiamos todos os dias nos políticos Brasileiros ao deixar todo nosso patrimônio em Real.

Tratamos risco em nossas vidas como algo mecânico, quando na verdade boa parte do risco que nos cerca tem propriedades de cauda gorda: há muito mais coisa que você não sabe que você não sabe do que coisas que você sabe que você não sabe, que por sua vez são geralmente mais do que as coisas que você realmente sabe sobre uma determinada situação. Mesmo assim, tomamos decisões ignorando tudo aquilo que não sabemos que não sabemos (ou pior, aquilo que sabemos que não sabemos).

De forma simples, cisnes negros são apenas eventos inesperados, mas que trazem consigo impactos profundos. Estes eventos, dada sua imprevisibilidade, são geralmente oriundos desse "risco de cauda."

Para citar alguns exemplos gerais, dentro do contexto Brasileiro:

  • A operação lava jato e suas ramificações é um cisne negro
  • O impeachment da Dilma foi um cisne negro
  • O derretimento do Real é um cisne negro
  • A pandemia do novo coronavírus é um cisne negro¹
  • A eleição do Bolsonaro foi um cisne negro

Cisne negros, pela sua natureza referencial, também acontecem em sua vida pessoal: conseguir um novo emprego que paga o triplo do seu salário é um cisne negro², dar perda total no seu carro em uma manhã comum de terça feira é um cisne negro, entre outros exemplos possíveis.

A cauda do Brasil é mais gorda do que você imagina

Falar de risco de cauda e cisnes negros dentro da realidade atual política e econômica do Brasil chega a ser uma brincadeira de mal gosto: a bomba já explodiu, o cisne já aconteceu, certo? Não é necessário ser um especialista para chegar a conclusão de que a situação atual é séria. Muito mais séria do que qualquer um poderia prever em 2014, por exemplo.

Ainda assim, tendemos a descontar o efeito destes eventos e aplicar um viés retrospectivo: era óbvio que isso tudo ia acontecer!

Em meados 2014, com a copa a todo vapor e eleições em seguida, era difícil conceber que a candidata a ser reeleita seria, em pouco mais de dois anos, impichada. Seria também loucura afirmar que um deputado populista de pouca relevância nacional seria eleito presidente em seguida. Até para os eleitores de tal político, seria impossível conceber que o mesmo seria obrigado a lidar com uma pandemia, outro cisne negro, com as consequências disso se desenrolando enquanto este texto é escrito.

O Brasil está lotado de risco de cauda! Adoramos nos comparar e tirar lições de países de primeiro mundo como E.U.A. e estados Europeus, mas esquecemos que, até onde a história alcança, nossa estabilidade política e econômica tem mais em comum com Turquia, Argentina, México e Líbano. E tudo bem!

Não há problema nenhum em investir em nenhum desses países, inclusive o Brasil. Na verdade, se você procura crescimento astronômico e volatilidade, lugares instáveis são os melhores para investir. Desde que, claro, você esteja ciente disso!

Não há problema nenhum em tomar risco, desde que você não esteja vendado.

Quando o assunto é Brasil, parece que estamos todos vendados

O problema, claro, são nossos vieses.

Digamos que você recebeu hoje a quantia de R$500.000. Você ganhou na loteria, sua bisavó te deixou de herança, ou você ganhou um contrato para venda de ventiladores mecânicos a um estado Brasileiro, não importa. A pegadinha é o seguinte: você precisa investir esse dinheiro por dois anos, sem tocar, ou perderá tudo.

Onde você aplica o dinheiro?

Se você pensou somente coisas como tesouro direto, títulos de dívida, fundos imobiliários, debêntures, terrenos, ou ações da Bovespa, você está sob o efeito da ilha: para onde olhamos, só vemos Brasil.

O Brasil é uma grande ilha. Não há muitos paralelos possíveis. O país é gigante e fala-se a mesma língua de norte a sul. Temos regiões e estados tão diferentes ou mais quanto a Europa. A bolha do Brasil é gigante, mas ainda sim é uma bolha.

Durante sua vida, quantas amizades estrangeiras você fez? Se você for bem privilegiado, como eu fui, a resposta será "algumas", principalmente se você cresceu com internet.

Essa perspectiva de mundo mais neutra, que só é possível adquirir ao mergulhar em conexões profundas com outras culturas e línguas, é muitas vezes inacessível para nós. Temos pouco incentivo para aprender Inglês ou outro idioma se não para escapar do derretimento econômico que assola o país.

Se na pergunta acima você pensou em comprar dólar, ouro, criptomoedas, ou qualquer coisa fora do Brasil independente do perfil de risco, parabéns: você está mais fora do que dentro da ilha.

Pode parecer bobo, mas só somos ensinados Brasil. Quando você quer "oportunidades melhores", pensa em mudar de estado ao invés de país. Ao diversificar seu portfólio de investimentos, pensa em distribuir entre fundos imobiliários, dívida do governo e ações da bolsa. Esquecemos que tudo isso tem a mesma constante de risco: o Brasil.

Pensar fora dessa caixa é crucial para vencer esse viés. Buscar entender outras realidades e oportunidades te dá mais opções e permite que você monte estruturas mais arrojadas, resistentes a cisne negros fora do seu controle.

O exemplo dado é com o mercado financeiro, mas isso pode ser estendido para qualquer área da vida: onde você mora, trabalha, guarda, investe, monta família, paga impostos e abre empresas. Quem disse que o Brasil é o lugar para se colocar TODOS esses ovos? Quem disse que todos esses ovos precisam ser postos no mesmo lugar?

Eu não quero ser um peru

O exemplo a seguir é adaptado do Fooled by Randomness, também do Taleb. A anedota original é conhecida, em inglês, como Turkey problem.

Com tudo que vem se desenrolando, não é difícil montar o argumento deste texto. Mesmo assim, também quero fazer o argumento de que as ideias aqui são igualmente válidas em tempos aparentemente "estáveis."

Considere a vida de um peru.

O peru nasce cego aos riscos que o cercam. É levado para casa por um humano cujas intenções parecem boas.

No primeiro dia, o peru é alimentado e solto em um grande quintal, onde pode andar livremente. Pelas semanas seguintes, o peru continua a ser alimentado pelo humano diariamente.

Na verdade, a cada dia que se passa, aumenta a certeza do peru de que também será alimentado amanhã, ao ponto do mesmo criar hábitos com a rotina da casa, podendo prever com exatidão quando o alimento virá.

No dia anterior a véspera de natal, o peru está convencido de que tem a melhor vida do mundo, e tirou a sorte grande. Afinal, há semanas de dados para confirmar essa informação.

Porém, na véspera de natal, um cisne negro acontece, e o peru vai parar na sala de jantar.

Pobre coitado. Como poderia imaginar?

Era inconcebível para o peru que tal evento pudesse ocorrer. Se fosse o caso, o mesmo já teria fugido ao considerar esta possibilidade. O peru recebia apenas a informação oposta: todo dia era alimentado, confirmando sua tese de que seria alimentada no dia seguinte. Nenhuma análise empírica que olhasse para os dias do peru antes do natal poderia concluir que haveria tal risco.

A aplicação das ideias nesse texto são apenas minha tentativa de não ser um peru.

Colocando de outra forma, para quem viu somente o crescimento do Brasil levado pelo boom de commodities de 2000 a 2012, a única conclusão possível era a de que o Brasil era o país do futuro.

O viés contrário também pode ser verdade: é fácil olhar para o cenário atual e concluir, pela mesma lógica, de que o Brasil está fadado a ficar neste limbo, o que não é necessariamente verdade.

Não estou advogando para que você jamais invista, trabalhe, viva ou faça negócios no Brasil, estou advogando apenas que você tire sua venda, e pense na situação de forma pragmática: tenha para o Brasil o mesmo ceticismo que você (espero eu) teria ao investir (tempo e dinheiro) em qualquer outro lugar.

Não seja um peru.

Lembre-se também, da assimetria que existe aqui: o peru ganhou bastante nos dias anteriores ao natal, mas é impossível se recuperar da perda ocorrida na ceia de natal.

Não dá pra saber o que o futuro guarda, então aja como tal

O exemplo do peru ilustra bem como podemos ser enganados por "previsões" e índices. Como já dito antes, uma característica de cisne negros são sua imprevisibilidade.

É pouco produtivo tentar prever como toda a situação em nosso país vai se desenrolar. Não dá para saber se tudo se estabiliza e não se fala mais nisso por 20 anos, ou se vamos ter outro impeachment. Ou se os militares voltam ao poder. Ou se algum estado vai pedir secessão. Ou se o partido antes no poder volta com força. Ou se uma guerra civil estoura. Etcetera.

A mentalidade a ser adquirida, e a ideia central neste texto, é que você estruture sua vida de tal forma que pouco importa o que aconteça, qualquer dano que você tomar não será catastrófico.

Uma forma de fazer isso é tratar tudo que você faz no Brasil como especulação. Dessa forma você não é pego de surpresa quando algo estoura.

Procure maneiras de diversificar o risco em sua vida. Será que sua empresa precisa mesmo ser incorporada no Brasil? Ou sua conta bancária? Você é confiante que a economia nacional merece guardar suas reservas financeiras ou será que há outras oportunidades além da ilha brasileira?

Lembre-se que, ao colocar todas as suas expectativas no mesmo lugar, você pode estar apostando inclusive com a sua própria vida (exemplos claros são os índices de violência do Brasil ou até mesmo a forma como a pandemia do coronavírus está se desenrolando em nosso país), embora os exemplos e analogias centrais aqui tenham sido econômicos.

Novamente, não seja um peru.

Recomendações de leitura

Há centenas de formas de se tornar menos vulnerável ao risco Brasil (e de outros lugares também). Você ainda pode, se não quiser ou não puder sair fisicamente do Brasil, organizar sua vida de forma a ser menos afetado com decisões de políticos e mercados.

Deixo os seguintes livros, artigos e vídeos como recomendações de leitura:

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Notas

(¹) Para boa parte de nós. Este é outro detalhe: cisnes negros dependem do referencial. Como o Taleb coloca, o atentado ao WTC em 2001 não foi um cisne negro para os terroristas que o executaram.

(²) Há cisne negros positivos e negativos, dependendo de qual lado você está. Para quem aposta contra o Real, o derretimento da moeda é positivo, por exemplo.